ASSOCIAÇÃO DE FUZILEIROS

HISTORIAL

Dia do Fuzileiro. A origem.

Porque mo foi solicitado, mas igualmente com o maior prazer, quando se avizinha a festa de mais um Dia do Fuzileiro, procurarei aqui deixar o testemunho daquela que foi a iniciativa que espoletou esta festa na qual, não sendo eu um fuzileiro, tanto nela me vejo refletido.

Num despacho, algures em novembro de 2008, com o Comandante da Escola de Fuzileiros (CMG FZ Ferreira de Campos), foi-me transmitido as enormes dificuldades daquela unidade em dar satisfação aos pedidos dos diferentes Destacamentos de Fuzileiros Especiais, das Companhias de Fuzileiros, bem como de muitos cursos de Fuzileiros que também festejavam a sua data de incorporação, que pretendiam fazer os seus encontros anuais na Escola que era a referência para todos eles. Não posso deixar, desde já, de clarificar que não havia qualquer intenção de fechar as portas, bem pelo contrário, presidia a constatação de uma crescente falta de recursos para, todos os sábados e domingos a partir de maio, receber, com a dignidade que se impunha, aqueles antigos fuzileiros. A Escola, e todo o Corpo, estava exaurida com falta de pessoal e sem capacidade de garantir um pelotão, Fanfarra e um terno de clarins com a frequência requerida. Apenas o Capelão e o Museu mantinham a sua disponibilidade permanente. A dignidade ia ficando seriamente afetada com as sucessivas reduções para o nível de Secção e, posteriormente, o grupo de serviço. O recurso à instalação sonora… enfim, aqueles homens mereciam bem mais.

Aqui chegados, há que procurar soluções. As primeiras sugestões passavam por juntar em três dias do ano – um dedicado a Angola, outro à Guiné, outro a Moçambique – os Destacamentos e Companhias que ali cumpriram as suas comissões.

Nesta altura, há a clara perceção de que o Corpo de Fuzileiros tem de chamar a Associação de Fuzileiros à “mesa das negociações”. Não se tratando de algo reservado aos seus associados, seria impensável deixá-la à margem. Uma organização exclusiva do Corpo jamais teria a dimensão que se pretendia, podendo ainda aquele beneficiar de uma estrutura com contactos privilegiados junto dos antigos fuzileiros.

Das palavras aos atos, tudo ficou acertado, como mandam as regras, num almoço (dia 12 de dezembro de 2008, diz a minha agenda). É verdade que se resolvem muitos problemas numa boa refeição, mas o que ali imperou foi o melhor clima de camaradagem entre representantes de duas entidades que, em rotas paralelas, singram o mesmo rumo. O então presidente – Dr. Ilídio das Neves Luís – e o contra-almirante Leiria Pinto desde logo acarinharam a iniciativa, rapidamente se chegando à conclusão de que não seriam três, mas UM dia de festa – o DIA do Fuzileiro. Mãos à obra. Proposta elaborada, em janeiro de 2009, ao vice-almirante Comandante Naval, para a realização da efeméride anual, organizada pelo Comando do Corpo de Fuzileiros, com a colaboração da Associação de Fuzileiros, proposta esta que mereceu a concordância do Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada. Em pleno período Natalício, tudo ficou alinhado em dois meses.

Abrir as portas da Escola de Fuzileiros aos fuzileiros e seus familiares, uma cerimónia militar demonstrativa das atuais capacidades, um almoço convívio juntando os antigos e os atuais fuzileiros… e haja conversa até ao fim do dia. Infelizmente, não havia possibilidade de oferecer o almoço, e o primeiro impulso (que ainda mantenho) passava por dois grandes grelhadores, uns alguidares com febras e entrecosto, umas canastras com sardinhas e carapaus, sacas de pão e cerveja, e cada um que se desenrascasse. Pronto, o almirante pode ter lá as ideias que bem quiser, mas alguém vai ter de pensar nisto a sério. E, claro, a primeira preocupação para o “dono da casa” era a segurança. Segurança física da sua unidade e no controlo de quem se havia inscrito com o direito ao almoço. Desde logo, não se sabia qual a adesão que teria a iniciativa, apareceriam 100, 600 ou 2.000?

E cumpriu-se. A participação ativa da Associação foi determinante para o êxito alcançado. Tudo perfeito? Claro que não, mas uma enorme satisfação por aquilo que se considerou um sucesso. A capacidade de irmos aprendendo, de sabermos corrigir e adaptar poderá ser confirmada olhando para a evolução dos programas dos diferentes Dia do Fuzileiro, cada vez mais um palco para lançamento de livros, exposições, atividades lúdicas, o que se pretender. Haja imaginação. E continua a haver muito espaço para crescer. É importante para as novas gerações ouvirem as histórias daqueles que combateram em África, muitos com 17 – 20 anos ali souberam mostrar a fibra de quem era preparado para as missões mais duras. É importante para as gerações mais velhas acompanharem o que os seus sucessores continuam a fazer nos quatro cantos do mundo, a honrarem a mesma boina. Foi este o espírito. Relembro, do discurso proferido no dia 29 de junho de 2009:

“Há que ensinar aos mais novos o que andaram a fazer os fuzileiros na bolanha e no tarrafe, percorrendo os rios e as picadas, emaranhados no capim, numa ameaça constante de emboscadas e minas.

Há que ensinar o que significam palavras como Chilombo, Pedra do Feitiço, Guileje, Cumbijã e Ganturé. Explicar as 224 condecorações individuais recebidas por feitos heroicos em combate.

Mas há também que ensinar aos mais velhos (aos menos novos…) o que são as NATO Response Forces, o European Union Amphibious Battle Group e as Operational and Mentoring Liaison Teams. Explicar o que é o PELBOARD, o HUMINT e o CIMIC.

Temos de ouvir contar histórias da Guiné, de Moçambique e de Angola, e temos para contar histórias da Bósnia, de Timor, do Afeganistão e do Golfo de Áden.”

E mais à frente:

“Os fuzileiros vieram aqui dizer, a quem quiser ouvir, que honram a sua Pátria. Que nada esperam em troca da sua devoção e entrega até às últimas consequências, porque creem no serviço que prestam a Portugal, porque sabem que são um só, com a força de todos.”

Uma missa campal, presidida pelo saudoso capelão Amorim, a referência maior do almirante Roboredo e Silva eternizada numa placa na parada principal, o lançamento do livro do sargento-mor FZE Gomes Talhadas, pontuaram no programa das festas.

E agora?

Na sua alocução, o Dr. António Gomes Beltrão, vice-presidente da Direção da Associação de Fuzileiros, no impedimento do seu presidente, referiu que se tratava de um “…teste à recetividade que a proposta [do Corpo de Fuzileiros] apoiada pela Associação de Fuzileiros teve junto dos militares da Armada…”. Terão sido cerca de 2.000, o que me levou a considerar como uma “aposta” ganha. E se outro argumento não houvesse, estamos em 2022 e mantém-se a festa. E, curioso, nunca os Destacamentos, Companhias e cursos de formação de fuzileiros deixaram de se encontrar na sua casa-mãe. Estou profundamente convicto de que enquanto houver alguém que lhes abra os portões, jamais deixarão de ali se deslocarem.

Não há forma diferente de abordar os 400 anos de fuzileiros, sempre que foram chamados, apareceram, e nunca deixaram nada por fazer. Este sentimento comum respira-se em cada boina que aparece no Dia do Fuzileiro.

O primeiro Dia do Fuzileiro – 27 de junho de 2009

(foto obtida a partir de um helicóptero Lynx e capa do Desembarque n.º 8, de outubro de 2009)

 

Contra-almirante Picciochi, junho de 2022